Olhava para o prato com os talheres cruzados, pegava na faca e raspava os rebordos escaricados do prato, riscava- o em ponto de rebuçado afastando em dois o mar de esparregado deixando entrever uma pata do cavalinho, o último dos que restava do serviço da casa da avó.
Lembrava-se da açorda doce a escaldar e de empastar os desenhos a papa. Estranho este sabor que detestava por oposição às migas em cevada doce que adorava sem deixar tingir o fundo. Sempre gostara de escultura. Gostava daquelas semi orgânicas que surgiam castanhas feitas de areia líquida, molhada e espremida em raízes e troncos e veias. Daí para o papo seco de manteiga com açucar que rilhava nos dentes ao trincar foi uma viagem rápida. Por alguma razão o cheiro, associava-o sempre ao dos produtos de lavandaria a seco e daqui ao lustro que detestava ver junto aos bolsos, braguilha as e vincos das calças.
Gostava de subir às pedras, das grandes . Sentir-se maior no perder de vista do horizonte, mesmo que com nuvens baixas a adivinhar chuva e vento frio que fazia balouçar como vela enfunada ao capricho do sopro. As mãos inquietas faziam tinir a ponta da faca em diapasão na cerâmica gasta, com jeito burlesco de boca a acompanhar. A imagem do verde em estrada deixando antever o azul fidalgo era limitativo da náusea.
Em mais uma ligação, sentiu falta do cheiro da madeira carunchada, das páginas de um livro velho e do ruído das chinelas a acompanhar o virar das folhas que lia às escondidas da criada da casa, (de que quem gostava de sentir o cheiro e olhar as carnes e refegos), aqueles fascículos das fotonovelas que ela guardava também dos senhores. Eram revistas em banda- fotográfica. Homens dominadores carregados de testosterona e raparigas submissas em não tão ingénua sedução. Tramas com vilão e mocinha, que folheava e guardava frases “Toma, lambe, chupa” que ela levava a ressoar em eco para manobrar a solo o entusiasmo debaixo do lençol num ranger suave das molas e roçar de pano na pele. Sabia-o porque a ouvia ofegar mais rápido. Isto acontecia às vezes, quando dizia ter medo do escuro e ela o levava para junto dele e o julgava dormir ferrado. Lembrava-se do som dos dedos roçando as penugens íntimas mal aparadas quando, em suspenso do respirar, se deixava estar por entre mantas. De manhã, ele olhava depois as carnes e refegos que fazia roçar em si engalanadas a filacteras: “toma, lambe, chupa”…
De como ficava espalmado no intervalo do aparador com a parede de pedra escura, sossegado para que as tábuas do soalho não lhe denunciassem a presença, vendo-a de joelhos encerar afincadamente o chão, fazendo balançar a saia rodada e florida que, ocasionalmente, subia e lhe dava a visão das coxas grossas que tinha sentido perto na noite anterior.
Olhando com mais atenção, reparava como o desenho no seu prato se tinha tornado figurativo das lembranças, dando a pata do cavalinho a ideia da protuberância imaginada.
*Com inestimável contribuição da Phoebe
Imagem retirada daqui.